Dia pela Eliminação da Discriminação Racial estimula combate ao preconceito
Das 1.031 candidaturas autodeclaradas brancas para a Câmara dos Deputados por São Paulo, 5,7% foram eleitas; entre as 484 candidaturas negras, esse percentual foi de 1,6%
No dia 21 de março de 1960, mais de 20 mil sul-africanos participavam de um protesto pacífico no bairro de Sharpeville, em Joanesburgo, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes, matando 69 pessoas e deixando 186 feridas. O motivo do protesto era a Lei do Passe, que obrigava todas as pessoas negras a portarem uma caderneta contendo os locais aonde podiam ir. A violência brutal do episódio, que ficou conhecido como Massacre de Sharpeville, ganhou grande repercussão internacional e uma onda de repúdio ao regime do Apartheid — que só viria a ser sepultado em 1994.
Em 1979, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial em 21 de março, em homenagem às vítimas do massacre. Todo ano, é definido um tema para reflexão sobre o assunto. Neste ano, o tema escolhido foi a urgência de combater o racismo 75 anos após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
“Setenta e cinco anos atrás, pela primeira vez a comunidade internacional concordou com um conjunto de valores comuns e reconheceu que os direitos são inerentes a cada ser humano e não concedidos pelo Estado”, diz o texto da ONU. “A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todos são titulares de todos os direitos e liberdades, sem distinção de qualquer natureza, como raça e cor, entre outras. No entanto, o racismo e a discriminação racial continuam a afetar pessoas em todo o mundo.”
De fato, há um longo caminho a percorrer até que todas as pessoas, independentemente de raça, cor ou origem, tenham os mesmos direitos na prática. No Brasil, diversos índices que medem renda, emprego, escolaridade, acesso à saúde e mortalidade, entre outros, mostram que ainda existem diferenças gritantes entre a população negra e a branca. O mesmo acontece em relação à representatividade eleitoral.
Em São Paulo, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2021, feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 58,4% da população do estado se declara branca, 32,8% parda e 7,2% preta. No último Censo, de 2010, 63,9% dos paulistas se declararam brancos, 29,1% pardos, 5,5% pretos, 1,4% amarelos e 0,1% indígenas. No entanto, os parlamentares eleitos no estado para a Câmara dos Deputados, a Assembleia Legislativa e as Câmaras Municipais estão longe de refletir a diversidade da população.
Nas eleições de 2022, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos 70 deputados e deputadas federais que se elegeram por São Paulo, declararam-se brancos, 59 (84,3%); pardos, 5 (7,1%); pretos, 3 (4,3%); indígenas, 2 (2,9%); e amarelo, 1 (1,4%).
Além disso, dos 1.031 candidatos e candidatas que se declararam brancos, 5,7% foram eleitos. Entre as 484 candidaturas pardas e pretas, esse percentual foi de apenas 1,6%. As candidaturas brancas tiveram 80,54% dos mais de 22,3 milhões de votos no estado. Já as pardas obtiveram 7,53%, as pretas 6,6%, as amarelas 1,93% e as indígenas 1,39%.
Esses números podem indicar tanto o preconceito racial ainda latente na sociedade quanto a falta de formação, por parte dos partidos políticos, de mais candidaturas negras competitivas.
“Os pretos compõem uma parte enorme da nossa sociedade, mas a gente percebe que não há uma equivalência na representatividade no Legislativo. Acho que isso acontece não por falta de representação social, pois existem vários setores nos quais eles estão representados, como nas artes, nos sindicatos e outros. Mas há uma dificuldade em transformar essas lideranças em candidatos, e isso passa pelos partidos políticos. É difícil transpor esse gargalo da organização política”, afirma o presidente do TRE-SP, desembargador Paulo Galizia.
Em relação aos 94 candidatos e candidatas que se elegeram deputados estaduais em São Paulo, também há uma esmagadora maioria que se declara branca: 76, o equivalente a 80,8% do total. Os eleitos e eleitas que se declaram pardos são 9 (9,6%), e os pretos também 9 (9,6%). Das 1.325 candidaturas brancas, 5,73% foram eleitas; entre as pardas e pretas, o percentual foi de 2,54%. Os autodeclarados brancos tiveram 78,12% dos 21,3 milhões de votos, os pardos, 10,31%, os pretos, 9,95%, e os indígenas, 0,29%.
Já entre os 6.963 vereadoras e vereadoras que se elegeram para as Câmaras Municipais em São Paulo nas eleições de 2020, a proporção de candidaturas brancas eleitas é um pouco menor: 5.399 (77,5%). Foram eleitos 1.126 vereadores e vereadoras autodeclarados pardos (16,2%), 368 pretos (5,3%), 27 amarelos (0,38%) e 4 indígenas (0,06%), além de 39 não informados (0,56%). Das 60.526 candidaturas brancas, 8,92% se elegeu; já entre as pretas e pardas, 5,58% foram eleitas.
Na capital, a diversidade entre as 55 candidaturas eleitas para a Câmara Municipal de São Paulo em 2020 também é levemente maior. Declararam-se brancos 41 (74,5%), pardos, 5 (9%), pretos, 7 (12,7%), amarelo, 1 (1,8%), e indígena, 1 (1,8%). Das 1.196 candidaturas autodeclaradas brancas, 3,4% se elegeram; entre as 472 candidaturas pardas, esse percentual foi de 1%, e entre as 308 pretas, de 2,3%.
Evolução legislativa
Para ajudar a melhorar esse quadro de sub-representação, nos últimos anos foram estabelecidas novas regras eleitorais.
Em agosto de 2020, o TSE determinou que a distribuição das verbas e do tempo de propaganda eleitoral deveriam ser proporcionais ao total de candidatos brancos e negros em cada partido a partir das eleições de 2022. A decisão foi tomada em resposta a uma consulta da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
No entanto, em setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski decidiu que a regra já seria aplicada nas eleições de 2020, deferindo o pedido do PSOL em uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A decisão foi ratificada pelo plenário do STF em outubro, e a nova medida já passou a valer em 2020.
Além disso, em 2021 o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 111, que determina que os votos dados a candidatas mulheres e pessoas negras nas eleições de 2022 a 2030 devem ser contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.
Essa evolução legislativa está em sintonia com o que pede a ONU em seu texto sobre o Dia Internacional Pela Eliminação da Discriminação Racial: “A comemoração do 75º aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos deve dar aos estados um impulso para tomar medidas rápidas e robustas, na lei e na prática, para promover a igualdade e combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância”.
Para o presidente do TRE-SP, é importante que os partidos políticos também aprimorem sua atuação para favorecer a maior representatividade de negros e indígenas na política.
“Além dos incentivos econômicos que estão sendo dados por essas medidas que o TSE tem tomado recentemente, há necessidade de uma conscientização por parte dos partidos políticos para abrirem essa via para os pretos e os indígenas não só no sentido de dar a legenda para que eles possam ser candidatos, como também de os auxiliar efetivamente para que eles consigam ser eleitos. É muito importante que eles participem da vida política e sejam eleitos para representar grande parte da sociedade”, conclui o desembargador Paulo Galizia.
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