Fraude à cota de gênero causou a cassação de 24 vereadores de SP em dois anos
Já foram cassados 209 mandatos ou diplomas ao todo, entre eleitos e suplentes
Desde as Eleições 2020, 209 candidatos a vereadores em cidades paulistas já tiveram o mandato ou diploma cassados pela Justiça Eleitoral porque seus partidos não respeitaram a cota de gênero — o percentual mínimo de 30% de mulheres candidatas. Desses, 24 haviam sido eleitos e perderam o mandato. Outros 185 candidatos ou candidatas que conquistaram a suplência perderam o diploma.
Em 89 casos, já houve o julgamento definitivo, e 120 ainda estão pendentes de julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As cidades em que houve cassação de mandato por esse motivo desde a posse dos eleitos, em 2021, são: Boa Esperança do Sul, Cajobi, Colômbia, Elias Fausto, Itajobi, Itapetininga, Jaú, Ourinhos e Serra Azul.
O partido com o maior número de candidatos que perderam o mandato ou diploma é o PTB, com 59 cassados nas cidades de Carapicuíba (26), Colômbia (8), Elias Fausto (15) e Serra Azul (10). Na sequência vem PSDB, com 26 cassados, nas cidades de Cajobi (12) e Colômbia (14); Patriota (25 em Jaú); Republicanos (22 em Ourinhos); PSB (6 em Euclides da Cunha Paulista e 13 em São Manuel); PP (13 em Boa Esperança do Sul); Podemos (12 em Colômbia); PDT (10 em Serra Azul); PSL (10 em Itapetininga); Cidadania (8 em Serra Azul); e MDB (5 em Itajobi). Os dados do DEM e PSL constam separados uma vez que a fusão do partido para a formação do Partido União Brasil (UNIÃO) ocorreu apenas em 08/02/2022.
O cumprimento da cota de gênero é um dos requisitos para a demonstração da regularidade dos atos partidários durante a convenção para escolha dos candidatos. Essa análise é feita antes dos julgamentos dos pedidos individuais de registro.
No entanto, para a Justiça Eleitoral, não basta o cumprimento formal da norma. É necessário dar condições para que a mulher participe ativamente da campanha. E, nos processos em que houve a cassação de mandatos ou diplomas, o que se verificou é que as candidaturas foram fictícias, registradas apenas para preencher o número mínimo de candidatas, sem que essas efetivamente realizassem campanha eleitoral em busca de votos.
Uma vez comprovado que o partido apresentou requerimento de registro de candidatura feminina fictícia, a decisão que reconhece a fraude, além de cassar o mandato dos eleitos, também determina a cassação dos diplomas expedidos para os suplentes e a anulação de todos os votos recebidos pelo partido, com recontagem dos votos e novo cálculo de quociente eleitoral no município. Ainda, aqueles que comprovadamente tinham conhecimento da fraude e, ainda assim, deram sequência ao registro fictício, são tornados inelegíveis pelo prazo de oito anos.
Em Serra Azul, por exemplo, os votos recebidos pelos partidos Cidadania, PTB e PDT foram anulados, seus candidatos tiveram os diplomas cassados e houve o recálculo do quociente eleitoral, o que resultou na mudança de dois terços da composição original da Câmara de Vereadores. A candidata do Cidadania foi registrada apenas para cumprir a cota. “A fraude da candidata consistiu em simular declaração enganosa de vontade, inclusive ao comparecer ao cartório eleitoral e realizar alguns atos, quando seu desejo era de não realizar ato algum (pois nem candidata desejava ser, e só o foi para viabilizar a candidatura de seu companheiro)”, afirmou o então relator, juiz Afonso Celso da Silva.
Já com relação às candidatas a vereadoras do PTB, ficou comprovado que registraram a candidatura apenas para favorecer o partido e o candidato com o qual possuem vínculo pessoal — companheiro de uma e cunhado da outra —, motivo pelo qual foi imposta a pena de inelegibilidade para os três: “há nos autos provas robustas de que as candidaturas de Adelina e Mariana foram lançadas apenas para atender à cota de gênero, inexistindo verdadeiro interesse das duas primeiras em concorrer para o cargo de vereadora, razão pela qual realizaram pedidos de votos e atos de campanha apenas em favor de terceiros, com quem mantêm vínculo de parentesco”.
E, no caso do PDT, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu pela fraude porque as candidatas tiveram votação zerada, relação de parentesco com outro candidato ao mesmo cargo, prestações de contas sem movimentação financeira, ausência de qualquer ato de campanha e campanha em favor de terceiro: “o acórdão colaciona imagens que demonstram que, em suas redes sociais, as candidatas se posicionaram favoravelmente à citada candidatura masculina durante a campanha”, destacou o relator, ministro Carlos Horbach.
Na cidade de Itajobi, a candidata registrada pelo MDB, além de não promover a própria campanha, que teve votação zerada, pediu votos a candidato do sexo masculino, seu marido, inclusive por meio de suas redes sociais: “A prova documental acostada aos autos é no sentido da fraude, vez que a candidata pediu reiteradamente votos ao candidato Luiz Galante, que disputava vaga para o mesmo cargo, destacando suas qualidades”, destacou o relator à época, juiz Afonso Celso da Silva. Como consequência, foi decretada a sua inelegibilidade e a cassação de seu marido, que havia sido eleito pelo mesmo partido, além da anulação de todos os votos recebidos pelo MDB.
Eleições 2022
Há 13 processos em andamento no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, de autoria da Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo, envolvendo fraude à cota de gênero nas Eleições Gerais de 2022, sendo que 9 deles envolvem candidatas ao cargo de deputada estadual e 4 candidatas ao cargo de deputada federal. Os processos estão em fase de instrução processual (apresentação de defesa e produção de provas).
Evolução da legislação
A primeira norma criada com o objetivo de aumentar a participação feminina na sociedade foi a Lei 9.100/95, que, em seu artigo 11, § 3º, estabelecia o percentual mínimo de 20% do total das vagas para as candidaturas de mulheres.
Em 1997, a Lei 9.504 elevou o percentual para 30%, mas exigia apenas a reserva das vagas. Somente em 2009, com a edição da Lei 12.034, é que a obrigatoriedade do preenchimento de ao menos 30% das vagas para cada gênero passou a vigorar.
Estatísticas da participação feminina nos cargos eletivos
Os números divulgados pelo TSE demonstram um aumento gradual na participação feminina na política. Nas eleições gerais de 2022, as deputadas federais representaram 20% dos eleitos para a Câmara — em 2018, esse percentual era de 16%.
Já no Legislativo estadual paulista, o incremento é ainda maior: em 2018, as deputadas estaduais eleitas representavam 19% do total da Assembleia Legislativa e, em 2022, esse percentual chegou a 27%.
No âmbito municipal, também houve aumento de quatro pontos percentuais no total de eleitas para as Câmaras Municipais no estado de São Paulo entre 2016 e 2020 (de 12% para 16%).
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