“Palavras mágicas” embasam processos sobre propaganda eleitoral antecipada

Termo se refere a um caso histórico julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos

Arte Propaganda Eleitoral - 05/09/2022

Em diversas ações sobre propaganda eleitoral antecipada que correm no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), partes e juízes têm recorrido ao uso de “palavras mágicas”. O termo se refere a um clássico precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos, que foi mencionado em 2018 por Luiz Fux, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, quando o tribunal julgava dois processos sobre o tema.

Em seu voto, que ajudou a fixar alguns critérios sobre os limites da publicidade nas campanhas à luz do princípio da liberdade de expressão, o ministro citou o histórico caso Buckley vs. Valeo (1976). Nesse processo, a corte constitucional diferenciou a propaganda eleitoral de outras mensagens de propagação de ideias políticas pelo uso de pelo menos uma entre oito “palavras mágicas” (magic words): vote em, eleja, apoie, marque sua cédula, Fulano para o Congresso, vote contra, derrote e rejeite.

No Brasil, desde 1997 a Lei das Eleições determina o período a partir do qual a propaganda eleitoral é admitida – após 15 de agosto, a partir da minirreforma eleitoral de 2015. Naquele ano, a nova redação do artigo 36-A também passou vedar o pedido explícito de voto: “Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos (...)”. Mas como determinar exatamente o que é pedido explícito de voto?

No julgamento de junho de 2018 (acórdãos AgReg 9-24/SP e RESPE 4.346/BA), Luiz Fux argumentou, ampliando o rol taxativo de magic words norte-americano: “Considero válida a proscrição de ‘expressões semanticamente similares ao pedido explícito do voto’, porquanto certamente compreendidas pelo espírito da norma.

O então ministro do TSE Luís Roberto Barroso, em agravo interno ao recurso especial nº 2931, em dezembro de 2018, também abordou o tema: “O pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas ‘palavras mágicas’, como, por exemplo, ‘apoiem’ e ‘elejam’, que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória. No caso, é possível identificar pedido explícito de voto na fala do pré-candidato a prefeito, em que pediu ‘voto de confiança’ nele e no pré-candidato a vereador”.

Desde a evolução jurisprudencial que ocorreu principalmente a partir desse ano, o uso ou a ausência das chamadas “palavras mágicas” têm embasado diversas representações, pareceres do Ministério Público Eleitoral e decisões sobre o tema. Nas eleições deste ano, há pelo menos 21 processos no TRE-SP em que elas foram citadas. Dessas, já houve alguma decisão em 18, e a grande maioria (11) é pela procedência das representações, pelo menos na parte que se refere às “palavras mágicas”.

É o caso, por exemplo, de representação proposta pelo Partido da Mulher Brasileira contra o ex-ministro Tarcísio de Freitas, então pré-candidato ao Governo de São Paulo. Em 13 de julho, ele publicou no Instagram um vídeo em que o narrador dizia “São Paulo precisa de Tarcísio Gomes de Freitas no comando” e “Agora chegou a nossa vez. Chegou a vez de São Paulo. É hora de Tarcísio”, acompanhado da hashtag #DesenrolaSP.

O partido argumentou na petição inicial, proposta em 18 de julho, que a jurisprudência reconhece a irregularidade de mensagens que, embora não usem a expressão ‘vote em mim’, utilizam-se de termos que se assemelham ao pedido expresso de voto. “Trata-se das chamadas ‘palavras mágicas’, que se assemelham muito do ponto de vista semântico ao pedido de voto e, por esse motivo, devem ser coibidas pela Justiça Eleitoral.”

No dia seguinte, a juíza Maria Cláudia Bedotti acolheu o pedido e concedeu a liminar, determinando a retirada do ar dos trechos mencionados e da hashtag. “Referidas orações, bem como a hashtag, têm similitude semântica com o pedido expresso de voto, na medida em que conclamam o eleitor a votar no representado na disputa eleitoral vindoura para ‘desenrolar São Paulo’. Trata-se das chamadas ‘palavras mágicas’, empregadas pelo autor da postagem para defender publicamente a sua vitória e com significação que pode ser percebida e compreendida de forma direta pelo eleitor, sem dúvidas ou ambiguidades, como pedido antecipado de voto”, fundamentou.

A Procuradoria se manifestou pela procedência da representação, também citando a jurisprudência do TSE e as “palavras mágicas”. Em 3 de agosto, a juíza confirmou sua decisão liminar, impondo multa de R$ 5.000 a Tarcísio de Freitas. O ex-ministro entrou com recurso, ao qual o TRE-SP negou provimento por unanimidade em 24 de agosto, e depois interpôs recurso especial, que também foi negado. O candidato então interpôs agravo em recurso especial, e os autos foram remetidos ao TSE em 14 de setembro.

Outro caso em que se discutiu o uso de “palavras mágicas” foi a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em 5 de agosto contra o advogado Augusto de Arruda Botelho, então pré-candidato a deputado federal pelo PSB. Antes do período permitido para campanha eleitoral, ele enviou mensagens por WhatsApp com as seguintes mensagens: “Quero pedir seu apoio para, juntos, transformarmos o Brasil”; “Não podemos nos acomodar, o momento pede coragem e por isso preciso de vocês para mudar a história”; e “Precisamos mudar esse cenário, mudar nosso país. Eu conto com vocês”.

Na representação, a Procuradoria também menciona a jurisprudência consolidada pelo TSE em relação às “palavras mágicas” para embasar o pedido de remoção das mensagens e multa. “Entende-se que as mensagens contêm pedido de voto, no sentido de conclamar o eleitor a votar no representado, em período não permitido pela legislação eleitoral. Claramente, o representado se utiliza das expressões acima mencionadas para pedir voto aos destinatários das mensagens”.

Em 15 de setembro, a juíza Maria Cláudia Bedotti reconheceu a prática de propaganda eleitoral antecipada, mencionando as “palavras mágicas”, por considerar que “a conotação de propaganda eleitoral antecipada é clarividente, na medida em que as mensagens conclamam o destinatário a votar no então pré-candidato Augusto de Arruda Botelho Neto, com a utilização de expressões que se assemelham a pedido explícito de voto”.

A representação foi julgada procedente em parte, com imposição de multa de R$ 5.000, porém a juíza não acolheu o pedido de remoção das mensagens, pois isso não é possível por causa do sistema de criptografia de ponta a ponta do WhatsApp. O candidato opôs embargos de declaração, que ainda não foram julgados.

Em 7 de julho, o Ministério Público Eleitoral ajuizou outra representação por propaganda eleitoral antecipada contra o deputado federal Orlando Silva (PCdoB), então pré-candidato à reeleição. O motivo foi a participação do deputado no podcast “Inteligência Ltda.”, transmitido pelo YouTube.

Em diálogo com o deputado Kim Kataguiri (União Brasil), que também participou do programa, Orlando Silva disse: “Kim, vota em mim que eu resolvo! Se eu me eleger, eu vou garantir. Vota em mim que eu… não… cola comigo que cê [sic] passa de ano. Vota em mim que vai dar certo!”.

Para a Procuradoria, essa e outras frases que o deputado falou durante o podcast “configuram pedido explícito de voto e/ou assemelham-se, semanticamente, ao pedido explícito de voto para a eleição de 2022”.

Depois de conceder liminar para a retirada do vídeo impugnado, a juíza Maria Cláudia Bedotti julgou o pedido procedente em parte no dia 18 de julho, citando a jurisprudência referente às “palavras mágicas”.

“No campo da propaganda eleitoral vedada, vislumbra-se o pedido explícito de voto sem que ele esteja explicitado gramaticalmente, mas com significação que possa ser percebida e compreendida de forma direta pelo eleitor no discurso, sem dúvidas ou ambiguidades. Essa é a hipótese dos autos, pois ao pedir voto para seu adversário político, o que seria, como ele próprio defende, ‘impensável’, o representado estava, evidentemente, buscando o voto dos ouvintes do programa”, fundamentou.

Na sua decisão, a juíza determinou a retirada apenas do trecho das falas mencionadas de Orlando Silva e lhe impôs multa de R$ 5.000. O deputado entrou com recurso, que foi negado pelo TRE-SP por unanimidade em 15 de agosto. Ele interpôs ainda recurso especial, que não foi admitido, e então agravo em recurso especial. Os autos foram remetidos ao TSE.

 

Processos 0600287-13.2022.6.26.0000, 0600894-26.2022.6.26.0000 e 0600270-74.2022.6.26.0000

 

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